21/11/2007
Um brinde à diversidade gastronômica
texto de Marcelo Terça-Nada
Imagine um encontro reunindo 26 chefs de 12 estados brasileiros. É de dar água na boca, não é!? Mas os ingredientes desse encontro não param por aí. Representantes de 77 comunidades rurais, quilombolas e povos indígenas estavam lá com seus produtos de excelência culinária e todo o conhecimento tradicional envolvido no cultivo e preparo de suas delícias.
A festa está completa? Não, ainda tem mais: coloque neste caldeirão pesquisadores, acadêmicos e apaixonados por gastronomia.
Está formado o ambiente em que aconteceu o I Terra Madre Brasil – encontro nacional de ecogastronomia, que foi realizado em Brasília no início de outubro de 2007.
Já na abertura do evento podia-se ver um pouco do que viria no dias seguintes. Silvio Barbero – um dos fundadores e atual secretário executivo do movimento Slow Food – contextualizou o Terra Madre dentro do Slow, falou sobre a importância de conhecermos e valorizarmos os alimentos locais e a cultura envolvida na sua produção.
Durante a tarde, aconteceu um dos momentos mais ricos do encontro: uma enorme sala de degustação onde os participantes puderam experimentar os produtos das comunidades. Entre as saborosas maravilhas estavam: farofa de castanha do Brasil, doce de umbu, castanha de licuri torrada, licor de açaí, marmelada santa luzia, cuca catarinense, caju passa, queijo canastra, palmito de pupunha, pé de moleque de baru, farinha de coco, farinha de tapioca, farinha grossa, farinha fina, vinho de uva goethe, cachaça artesanal orgânica, guaraná defumado em barra preparado segundo a tradição do povo Sateré Mawé entre muitas outras delícias.
Um privilégio poder experimentar toda essa diversidade reunida num mesmo espaço. Privilégio maior foi poder conhecer os produtores e ouvi-los falar com paixão sobre suas comunidades e sobre como fazem / colhem / preparam cada uma daquelas delícias.
Se eu terminasse esse texto aqui, seu título já estaria justificado. Mas o evento estava apenas começando…
Enquanto participante do evento, o que mais me marcou foi a disposição de todo mundo para trocar experiências. Pessoas vindas de uma realidade mais particular que a outra circulavam pelos corredores, salas e restaurantes do Terra Madre. E todos com várias histórias para contar: fosse um jovem de uma comunidade do Amapá que foi colonizada por marroquinos, fosse a presidente de um instituto fundado para preservar e divulgar os produtos e fazeres dos mais diversos derivados da mandioca, fosse a representante de uma comunidade potiguar que desenvolveu uma maneira artesanal de torrar a castanha do caju e está mudando a história de muitas outras comunidades do nordeste através do comércio justo.
Nos dias que se seguiram, os participantes se distribuíram entre oficinas, debates e degustações.
Aqui vale o destaque para as oficinas de ecogastronomia para crianças e para as “oficinas de sabores”. Em uma dessas oficinas, foi preparado coletivamente um delicioso chocolate artesanal, com direito a descascar o cacau torrado, pilar e bater o pó do cacau, com todo mundo colocando a mão na massa e, depois, experimentando o maravilhoso “resultado”. Houve a Festa da Polenta e a oficina da Super Tapioca, onde esses alimentos típicos foram produzidos em grande quantidade, mais uma vez com direito a todo mundo aprender como fazer, a ter contato com as matérias primas e, claro, a degustar no final.
Ligação entre o alimento, quem produz e quem consome
Nem precisa falar que as refeições servidas nos dias do evento foram especiais. Os almoços e jantares foram preparados com ingredientes da agricultura familiar. Vou contar para vocês que tem um sabor muito especial se alimentar de produtos que você conhece o produtor. No cardápio do Terra Madre sempre tinha arroz vermelho, feijão canapu, pequi, sucos de frutas naturais entre várias de outras opções.
Mas era assim: ali no estande do Slow Food, você conversava com o pessoal que produz arroz vermelho, ficava sabendo de como a comunidade vive no sertão da Paraíba, dava umas boas gargalhadas com os casos do pessoal do Feijão Canapu e, quando ia almoçar, podia se deliciar com os produtos deles (e ainda saber que o que está consumindo colabora com a comunidade e ajuda no trabalho de preservação daquelas espécies).
Tinha o Espaço Gourmet também. Nesse espaço cada almoço ou jantar foi assinado por um ou mais chefs. Tive o prazer de ir no almoço elaborado pelo Chef Faustino onde foi servido de entrada macaxeira recheada com camarões. O prato principal foi filé de peixe ao mocororó, acompanhado de arroz vermelho e purê de abóbora. A sobremesa foi da Chef Rita de Medeiros, que serviu sorvete de cagaita com calda de pequi.
O Faustino também é produtor: planta e colhe diversos alimentos e temperos que serve em seu restaurante, o Cantinho do Faustino, em Fortaleza. A Rita tem uma sorveteria em Brasília, a Sorbê, onde podemos saborear sorvetes e picolés feitos com frutas e castanhas do Cerrado, alguns exemplos são: baru, pequi e buriti.
O Terra Madre Brasil foi realizado pelo MDA em parceria com o Slow Food e aconteceu em paralelo com a Feira Nacional de Agricultura Familiar, que é um universo complementar de sabores e saberes. Pela força do evento, se tudo der certo, ano que vem teremos a segunda edição.
Para saber mais sobre o evento, ver mais imagens e acompanhar algumas discussões que continuam acontecendo, visite o site:
http://terramadre.slowfoodbrasil.com
Para saber mais sobre o Slow Food, conhecer um pouco sobre as comunidades do alimento e sobre os alimentos brasileiros protegidos pelos programas do Slow para preservação da biodiversidade, acesse:
www.slowfoodbrasil.com
(No site você pode indicar alimentos tradicionais que estão correndo risco de desaparecer, veja em Arca do Gosto)
4 Comentários
1. Renata Menasche | 22.11.07 às 8:36
Lindo texto, Marcelo! Parabéns.
Prá quem esteve lá e teve a oportunidade de viver tudo isso, tua descrição faz presente aqueles momentos de tanta diversidade e beleza.
Quem não esteve lá, acho que fica com água na boca… e certamente não vai querer deixar passar a próxima oportunidade pra fazer parte deste movimento!
2. Roberta Sá | 25.11.07 às 7:23
Marcelo
Reler seu texto me remete aos momentos emocionantes do nosso encontro. Você descreveu com tantos detalhes, com muita sensibilidade.
Para mim o que mais marcou no Terra Madre Brasil foi a disponibilidade de todos os participantes em trocar experiências e emoções. Estavam todos felizes por estarem juntos. E aprendemos tantas coisas novas, não foi?
3. Rubens Rabczuk | 10.03.08 às 5:25
É extremamente importante esse evento que resgata sabores brasileiros, mas não se esqueçam da importantíssima Pereskia aculeata (ora pro nobis), hoje não mais privilégio só de Minas Gerais, mas uma extraordinária promessa de inovação agronômica e agregação de renda para a Agricultura Familiar.
Breve estaremos disponibilizando mudas para boa parte do país!
4. Maria de Fátima de Morais Gaspar | 10.02.09 às 2:13
Estimados leitores, desta pagina, espero que seja publicado meu humilde comentário, se de resgatar sabores se trata:Gostaria de informar que este site logrou aproximar e noticiar (através da publicidade no site) pessoas que estao distantes fisicamente por mais de 15 anos.
Esta bem que resgatem os sabores, os olores, a sensibilidade, “a poesia”, os poetas(todos, vivos e outros do lado lá, como disse Caetano Veloso).
Que resgatem também a cultura e esta que resgate a historia.
Envio um grande abraco ao meu amigo (RUBENS RABCZUK) que este site troxe a minha pantalha.
Muito obrigada por dar-me a oportunidade de participar.
Fátima de Morais
Santiago – Chile
GOSTEI MUITO DO SITE. CONGRATULACOES!!!
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