Terra Madre Brasil - Rede Nacional de Comunidades do Alimento

26/07/2010

Comunidade Quilombola dos Paus Altos

Texto de Ozeias de Almeida Santos

Casa de farinha do Sr Reizinho - Comunidade Quilombola dos Paus Altos (Foto: DoDesign-s)

A Comunidade de Paus Altos desenvolve atividades de geração de trabalho e renda, voltadas para melhoria da qualidade de vida da população. São produzidos pelos grupos alimentos utilizando os recursos naturais da própria comunidade. O mel é produzido pelo Grupo de Jovens Apicultores que trabalha a extração racional de mel da apis mellifera. O beiju, bolachinha e tapioca são produzidos de forma artesanal pelo grupo de mandiocultores, a maneira de produzir e os equipamentos muitos ainda são os mesmos utilizados pelos nossos pais e avós. Os doces e compotas são produzidos por Sete Damas que resgatam o oficio das nossas antepassadas de produzirem doces utilizando as frutas da região, essas mulheres que acabam dando sua doçura aos seus produtos vem desempenhando um importante papel no processo de emancipação feminina na comunidade. Todos os produtos com exceção do mel atualmente fazem parte do cardápio da alimentação escolar no município de Antonio Cardoso, e isso enche os alunos da comunidade de orgulho por ter os produtos de seus pais na alimentação escolar. É comum entres eles perguntarem na escola: “tá bom? Foi minha mãe que fez”.

Paus Altos é uma comunidade rural remanescente quilombola (em processo de reconhecimento), localizada na porção norte do território de Antonio Cardoso, município do semi-árido baiano. O nome Paus Altos surgiu por conta das grandes árvores que formavam a caatinga dos Paus Altos, às margens do riacho do Mocó e que adentravam ao tabuleiro. Essa vegetação formada em sua maioria por tapicurú, pau-de-fuso, candeia, quixabeira, aroeira, baraúna dentre outras vegetações nativa, ocupavam toda a comunidade, o que possibilitava uma grande concentração de abelhas que utilizavam as flores para a produção de mel. A comunidade tem sua configuração espacial marcada pelo uso das terras e muitas características predominam desde o período da escravidão dos negros africanos no Brasil que também ocorreu no município.

A comunidade tem boa parte de seu território localizado num tabuleiro e sua organização espacial se deu a partir da ocupação e uso do solo. Segundo pesquisas realizadas pelo Movimento Quilombola do município e entrevistas com moradores da comunidade, logo após a abolição, os fazendeiros escravocratas, mantiveram suas fazendas nas áreas planas e baixas onde se concentrava a maior porção de solo fértil, rico em matéria orgânica para fazer plantações e utilizar na criação de gado, enquanto isso os ex-escravos, agora abolidos se fixaram na região do Tabuleiro na condição de rendeiros¹ e no decorrer dos anos adquiriram essas terras, na sua maioria pouco fértil, com muitos pedregulhos e pobre em alguns minerais. A atual organização da comunidade trás em sua configuração essas rugosidades provenientes desse processo de apropriação dos solos e segregação de sua população.

Mandioca recém colhida (Foto: DoDesign-s)

A população da comunidade em sua maioria são agricultores familiares que sobrevivem basicamente do cultivo de feijão, milho, batata-doce, mandioca dentre outras culturas de subsistência de ciclos rápidos, plantados na pouca terra que possuem. Essas famílias foram forçadas a buscarem alternativas econômicas (apicultura, produção de doces, beiju dentre outras) para seu sustento, que não dependessem diretamente de grandes poções de terras, já que a maioria dos moradores são microminifundiários.

A comunidade atualmente conta com a Associação Comunitária Rural do Tabuleiro de Paus Altos que através de algumas parcerias desenvolve projetos e ações de valorização das tradições locais, e de melhoria da qualidade de vida da população.  Paus Altos conserva ainda muitas de suas tradições históricas, características da herança quilombola e indígenas, e essas manifestações estão presentes nos hábitos alimentares, musicalidade, práticas de saúde e tratamento de doenças da carne e do espírito.

Tapioquinha de colher (Foto: DoDesign-s)

Os hábitos alimentares são marcados pela utilização de produtos da própria comunidade confeccionados em boa parte ainda de forma artesanal, tais como: o beiju de forno de barro, bolo na palha da bananeira, doces de frutas nativas dentre outros gêneros alimentícios. A iniciativa de produzir mel, doces, beiju, biscoitos etc. surge da necessidade das famílias em terem uma fonte alternativa de renda, associando os saberes adquiridos dos nossos antepassados com a utilização racional e sustentável dos recursos disponíveis na própria comunidade, fortalecendo antes de mais nada, o espírito de união e cooperação entre as pessoas, valorizando-as enquanto sujeitos protagonistas de suas próprias histórias.

Tapioca com coco (Foto: DoDesign-s)

O Beiju produzido por “Seu Reizinho”, além do amor e dedicação guarda os segredos das receitas antigas, aprendidas dos mais velhos, fabricados na casa de farinha, de chão batido, no forno de barro e prensa de madeira, utilizada há muitos anos pela comunidade e que pertence a “Seu” Fiinho.

Tapioca retalhada (Foto: DoDesign-s)

No mel é nítida a presença da Doçura das Flores dos Paus Altos, o frescor do orvalho das madrugadas do sertão, pode ser sentido em cada pingo de mel produzidos pelas abelhas e extraídos com muita dedicação pelos Jovens Apicultores e Apicultoras. Os doces das frutas são feitos por Sete Damas, que em cada pote coloca não apenas doces, mas também a luta da mulher nordestina, forte, corajosa e batalhadora. A receita apesar de aperfeiçoadas guardam os segredo da cozinha de fogo de lenha, e do tempero feminino.

Quitandeira da comunidade quilombola (Foto: DoDesign-s)

Nas práticas de saúde, na comunidade ainda acontece – não com tanta freqüência com outrora – alguns partos domiciliares feitos por parteiras, conhecimento passada de mães para filhas por muitas gerações. Além dos tratamentos das doenças do corpo as matriarcas da comunidade utilizam as folhas e ervas para curar também as moléstias do espírito, como o mal-olhado, “mufina” “olho grosso” e etc.

Os momentos festivos não deixam de ser animados pelo samba-de-roda que envolve todos que estão em volta num só ritmo de animação, respeito e sedução. Para aumentar ainda mais a alegria do povo e diminuir a inibição de alguns, geralmente é servido nas rodas de samba, a meladinha de batatinha de teiú – erva nativa da região e que está ameaçada de extinção devido ao desmatamento das arvores que propiciam sombreamento para seu desenvolvimento – e o tradicional xarope de folhas, freqüentemente produzido para servir aos visitantes das mulheres paridas em parto normal em casa com a ajuda das parteiras, símbolo de comemoração e agradecimento pelo bom parto e a saúde da criança e da parida.

A comunidade de Paus Altos possui algumas espécies vegetais que estão ameaçadas de extinção na região e que precisam ser preservadas, por exemplo, o Cambui da caatinga, utilizada para fazer bebidas de conserva, licores e é também consumido in natura, é uma espécie típica das áreas de tabuleiros nas caatingas de algumas regiões do semi-árido; a quixaba, fruto da quixabeira também é um fruto que é consumido pela população local de forma in natura, o Trapiá fruto típico das margens dos riachos da caatinga que era abundante na região, também já está bastante escasso devido ao desmatamento das matas ciliares. O processo de desmatamento na região entorno à comunidade é muito grande, devido à presença de grandes fazendas, no entanto algumas medidas devem ser tomadas para mitigar essa situação.

A Associação Comunitária busca á cada dia fortalecer a identidade da comunidade através da valorização das raízes históricas do nosso povo, identidade própria que resistiu ao massacre, ao cativeiro e a segregação sócio espacial.

——————————————————
Ozeias de Almeida Santos é presidente da Ascortapa, graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), pesquisador de comunidades quilombolas.

——————————————————
¹ Rendeiros: Trabalhadores que residem nas terras de uma fazenda e em contrapartida é obrigado a trabalhar determinados dias da semana para o fazendeiro sem receber nenhum pagamento.

Ecogastronomia Extinção de espécies alimentícias Programação detalhada do eventoVozes do Terra Madre Voluntários
Realizado por:
Slow Food
Em colaboração com:
Regione del Veneto IMCA
Educação em FocoFunarte
Em parceria com:FIDA
SIDMINCSDTMDABrasil - Governo Federal
DoDesign-s Design & Marketing

» Terra Madre Brasil | Acessar

© 2010 Todos os direitos reservados aos autores das fotos e textos.
Não é permitido reproduzir o conteúdo deste site sem citar a fonte, link e o autor.