5/09/2008
Comunidades da Mandioca – Terra Madre 2008
A mandioca, aipim ou macaxeira são os nomes populares da Manihot esculenta, um arbusto cultivado em mais de 80 países e que constitui um dos principais alimentos energéticos consumidos no Brasil, por poder ser cultivada sem necessitar de recursos tecnológicos. O Brasil contribui com 15% da produção mundial da mandioca, que está entre os nove primeiros produtos agrícolas do país.
Foi cultivada por várias nações indígenas da América Latina que consumiam suas raízes, tendo sido exportada para outros pontos do planeta, principalmente para a África, na qual constitui, em muitos casos, a base da dieta alimentar.
No Brasil, o hábito de cultivo e consumo da raíz continua, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a mandioca é muito utilizada para a fabricação de farinhas. Geralmente são produzidas de forma artesanal nas Casas de Farinha, envolvendo o trabalho familiar e comunitário, gerando renda para os pequenos produtores e garantindo o consumo próprio.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) está realizando um Inventário Nacional de Referências Culturais (IRNC) para a farinha de mandioca. Leia mais sobre a mandioca no site do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
A grande maioria das comunidades do alimento brasileiras da rede Terra Madre tem tradição na produção e/ou consumo da mandioca e seus derivados. Dentre elas, as comunidades do alimento que irão participar do Terra Madre 2008 e que tem a mandioca como seu produto principal são:
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FARINHA D’ÁGUA DE BRAGANÇA
A comunidade é formada por 120 famílias, moradores de seis distritos localizados no município de Bragança. A economia é baseada na agricultura e na pesca, mas o foco está nos subprodutos da mandioca. Na agricultura os principais produtos são o feijão e a mandioca, esta última produzida praticamente por todos os agricultores. Além desses alimentos, também há o cultivo de milho e frutas. A farinha d’água, ingrediente típico da culinária indígena tradicional da região amazônica, é obtida deixando-se as raízes de mandioca de molho durante três a oito dias, depois são processadas e amassadas manualmente em vasilhas tradicionais chamadas tipiti e, em seguida a massa é cozinhada num forno especial. Este alimento constitui a base energética da dieta dos povos da região amazônica, e é usado em receitas doces e salgadas. A farinha d’água é bastante conhecida, sendo diferenciada pelo seu sabor e sua embalagem feita em paneiros de talos e folhas de guarimã. Também há o trabalho de reconhecimento dos produtores da farinha, suas técnicas e repasse de informações para outros agricultores. Sua comercialização é feita diretamente pelos produtores, apoiados pelo Projeto Mandioca do Instituto Maniva, cujo objetivo é promover a produção tradicional da farinha de mandioca em todo o país.
Área de produção: Bragança, Pará
Coordenador da comunidade: Benedito Batista da Silva
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PRODUTORAS DE BEIJU DE SANTO ANTÔNIO
Os membros da comunidade são ribeirinhos, 25 famílias trabalham no ecossistema de terra firme e 15 famílias no ecossistema de várzea e desenvolvem várias atividades produtivas voltadas para a subsistência. Com longa tradição, na terra firme trabalha-se com agricultura no cultivo de mandioca e derivados, lavoura branca, verduras e frutíferas, e com extrativismo vegetal de produtos florestais não-madeireiros. Na várzea, a principal atividade é a pesca, mas há também agricultura, pequena criação de gado e artesanato. Na comunidade há o cultivo de feijão, macaxeira, mandioca, batata doce, cará, mamão, acerola, abacaxi, banana, entre outros. Os produtos são vendidos em comércios das cidades mais próximas e para atravessadores. A comunidade foca sua produção em produtos tradicionais como o beiju e a farinha de peixe piracuí que são de origem indígena, e feitos de forma artesanal pelas mulheres, e no mel de abelhas nativas que conta com uma extração também tradicional.
Área de Produção: Prainha, Pará, Região Norte
Coordenadora da comunidade: Ivonete Furtado Queiroz
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BEIJU E FARINHA SECA DO RENCÔNCAVO BAIANO
A comunidade é formada por cerca de 50 famílias que trabalham principalmente com subprodutos da mandioca. O território compreende cerca de 20 municípios localizados nas proximidades da cidade de São Gonçalo dos Campos e os produtores participam do Projeto Mandioca do Instituto Maniva, cujo objetivo é promover e disseminar as técnicas artesanais usadas para preparar esses alimentos básicos. Na comunidade tem uma casa de farinha, uma unidade de extração de fécula e goma artesanal que conta com tanques de decantação, e uma unidade de fabricação de beijus, bolachas de goma, bolos e sequilhos. A venda dos produtos é realizada semanalmente em quitandas e mercadinhos da região. A Associação de Agricultores da Boa Vista comercializa os beijus através da Prefeitura Municipal, que compra os produtos para fazerem parte da merenda escolar do município.
Área de produção: Cruz das Almas, Bahia, Região Nordeste
Coordenadora da comunidade:Ana Lúcia Oliveira
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MULHERES AGROECOLOGISTAS DE HORTO VERGEL – AMA
A AMA – Associação das Mulheres Agroecologistas – é formada por mulheres do assentamento 12 de Outubro. Cada um dos cinco sítios cultiva produtos para a subsistência e para o comércio. O foco é produzir alimentos sem insumos químicos, plantas medicinais, mandioca e seus derivados, banana, galinha caipira, ovos, entre outros. A AMA tem também uma casa de farinha de uso comum, onde são produzidas a farinha crua, torrada, puba, tapioca e beiju. Além disso, mantém um restaurante onde elaboram pães, doces e artesanatos e, um banco de sementes para servir de suporte nas plantações futuras.
Área de produção: Mogi-Mirim, São Paulo, Região Sudeste
Coordenadora da comunidade: Maria Ileide Teixeira
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BEIJU E BIJAJICA
As 10 famílias integrantes da comunidade são agricultores e agricultoras agroecológicos e trabalham em grupo na produção de derivados da mandioca nos engenhos de farinha, como a farinha de mandioca, cuscuz, bijajica, beiju, tapioca. Além disso, cultivam hortaliças orgânicas, criam galinhas, cabras, vacas, vendem o leite e produzem queijo, que são comercializados nas feiras agroecológicas e mercados locais com a ajuda da Associação dos Produtores Orgânicos Ecoloniais de Garopaba. Todos os agricultores fazem parte da Rede Ecovida de Agroecologia e participam do Núcleo Litoral catarinense da Rede. A produção da bijajica e dos cuscuz fazem parte do cotidiano e da história da região, por isso, os moradores da região, de descendência Açoriana, buscam resgatar as suas origens. Apesar da proximidade das localidades, a forma de fazer e o sabor desses produtos se diferenciam.
Área de produção: Garopaba, Santa Catarina, Região Sul
Coordenadora da comunidade: Nilcelia Mara Souza
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FARINHA DE MANDIOCA POVILHADA DE SANTA CATARINA
A comunidade localizada em torno de Santo Antônio de Lisboa é formada por cerca 50 famílias. Tem a farinha de mandioca e a ação dos engenhos tradicionais como sua principal atividade, mas também discute e atua pela preservação de todos os produtos regionais, pela valorização da agricultura familiar e melhoria de condições de vida dessas famílias. O Engenho do Casarão é o centro de atividades dos agricultores que produzem a farinha de mandioca que é um alimento básico da dieta da população local. Como conseqüência do rápido processo de industrialização na Ilha de Santa Catarina a partir de meados do século passado, a maior parte das casas de farinha de mandioca artesanais foi fechada. Durante as últimas décadas, produtos historicamente associados à área têm sido promovidos, inclusive esta farinha, que é mencionada nos relatos escritos pelos primeiros missionários e viajantes. Um engenho de farinha de tração animal foi desenhado para produzir uma farinha fina e branca, semelhante à farinha de trigo. Hoje os produtores de farinha que possuem engenhos tradicionais participam das atividades do Convivium Engenho da Farinha.
Área de produção: Paulo Lopes, Santa Catarina, Região Sul
Coordenador da comunidade: Cláudio Agenor de Andrade
13 Comentários
1. CENIA SALLES | 5.09.08 às 4:10
Parabéns pelo Projeto Comunidades da Mandioca,
e pelo exelente trabalho das comunidades.
Este resgate é de vital importância, e estumula e valoriza o uso desta raiz tão rica , que pode ser usada de muitas formas, tem um custo baixo, e que cada vez mais deve ser incorporada no nosso dia a dia.
2. Marina | 5.09.08 às 8:39
Muito bom saber que cultura da divina farinha de mandioca persiste em uma área geográfica tão grande e diversa!
Eu gostaria de saber….
1) se alguma dessas comunidades tem ou teve problemas com o cultivo da mandioca. No litoral de São Paulo existe a tradição da farinha, mas infelizmente está ameaçada… Com a criação de unidades de conservação, a roça foi proibida e hoje quase não há quem cultive a mandioca. Poucas famílias têm condições de produzir a farinha, mas nenhuma abre mão do consumo. Acabam tendo que comprar farinhas produzidas em outras localidades. Temo a perda da diversidade genética, além da cultural, que isto pode acarretar. Para quem tiver interesse, há um trabalho (acadêmico) genial sobre veriedades de mandioca utilizadas por caiçaras e povos da Amazônia do Prof.Nivaldo Peroni, da UFSC.
….. e 2)se esse inventário do IPHAN tem o objetivo de registrar o fazer da farinha de mandioca como Patrimonio cultural imaterial.
Agradeço se alguém puder tirar as minhas dúvidas e parabéns às comunidades e ao trabalho junto ao IPHAN.
3. Teresa Corção | 8.09.08 às 9:11
Olá Marina, Cenia e todos os mandioqueiros,
Que bom que as comunidades da mandioca estão unidas. realmente essa cultura é de maior importância econômica e cultural para nosso país. Em 2006 no Terra Madre não foi possível nos identificarmos, fora o pessoal que foi junto com o Projeto Mandioca; as comunidades de Bragança – Pará, de Cruz das Almas – Bahia e de Sto Antonio de Lisboa – Santa Catarina que puderam trocar experiências e se reconhecer na semelhança dessa raiz brasileira e das diferenças de processamento. A socióloga responsável pelo inventário da farinha de mandioca (que infelizmente não foi comtemplado pelo registro como aconteceu com outros alimentos como o acarajé) é a Maria Dina Nogueira que faz parte do Instituto Maniva fundado ano passado após 5 anos de atividades do Projeto Mandioca. Além disso existe um trabalho científico da botânica Laure Emperaire que estudou a mandiocultura indígena no Alto Rio Negro. Vc está certa Marina, a biodiversidade da mandioca está ameaçadíssima. Segundo ela e a própria Ma Dina ha registros de perda de mais de 3 mil variedades da raíz. A roça dos índios foi o grande “banco” perdido onde a maniva fazia parte até do dote de casamento! O site do Instituto Maniva está na etapa final de criação e deverá ir ao ar até mês que vem. No Terra Madre haverá um fórum de raízes que todos nós, mandioqueiros, poderemos participar. Marina, obrigada pela dica do trabalho do Prof. Peroni. Como posso ter acesso a ele?
4. José Hermínio Dias Feio | 8.09.08 às 10:22
Fico feliz, muito feliz em saber da participação da comunidade de santo antonio, Homens e Mulheres de lutar que buscam no convivio com a natureza força para lutar contra grileiros e madereiros. Um lugar impar na região do Baixo Amazonas, cortadas por lagos com riquezas inimaginaveis de especies da fauna e flora. Desejo aos participantes a alegria de compartilhar suas experiencias de lutar por um local mais justo, com respeito a cultura alimentar e preservação de laços comuns.
5. Marina | 9.09.08 às 9:07
Oi Teresa!
legal saber de todos esses projetos e essas pessoas trabalhando com e pela mandioca. O Prof.Peroni, que me referi, ja trabalhou com a Laure, mas eu tenho outros trabalhos, posso te enviar por e-mail, pode ser o que está no grupo de discussão?
6. Arnaldo Adnet | 11.09.08 às 10:00
Salve a Mandioca!
A verdadeira e genuina raiz brasileira, tão familiar a todos nós brasileiros, tão habituados a ela estamos que esquecemos de sua importância, poucas vezes reconhecem,os seu valor.
Que maravilhoso olhar essas chefes lançam sobre nossa raiz! Cada vez agregam mais pessoas se interessam em dar à mandioca seu lugar de valor nos cardápios do mundo inteiro, nas escolas entre as crianças e na mesa da família brasileira. Nas latas e farinheiras, nas farofas, nas tapiocas, beijus, e tantas variações…A mandioca nunca sumiu de fato da cozinha brasileira, mas pode aparecer agora na sala de jantar, exibida com orgulho. A combinação das mãos de nossos intelectuais da Terra (Seu Bené de Bragança e tantos mais em cada canto do país), do olhar dos antropólogos desde Sergio Buarque de Hollanda e das cozinheiras de cada casa brasileira.
Viva Margarida Mandioca Nogueira! Viva Teresa Tapioca Corção!
7. Marcia | 11.09.08 às 11:45
Acredito no valor de todos que lutam pela divulgacao e resgate de culturas diversas. No caso da mandioca conheco familias que a geracoes lutam (a muito custo) pra sobreviver e nao venderem suas terras e seus engenhos. Esses sim sao os verdadeiros herois e responsaveis por ainda termos um pedaco na nossa cultura da mandioca! A todos os nossos herois anonimos muitos vivas!
8. Arnaldo Adnet | 11.09.08 às 2:09
Vejam a materia neste link sobre a adição de mandioca à farinha de trigo brasileira…ah! e claro que a valorização da mandioca é mérito de quem vive da mandioca, de quem ama a mandioca, de quem celebra a mandioca…por necessidade ou por opção. Um caso de amor e não necessariamente de heroismo.
Enquanto isso eu me dedico afazer o que sei e posso: COMER mandioca, tapioca, farofa, beiju etc
9. Teresa Corção | 14.09.08 às 8:09
Marina,
Me mande para o email teresa@onavegador. Obrigada.
Não podemos esquecer tambem da Dra Clara Brandão e sua pesquisa sobre a folha de mandioca que foi incluída na multimistura durante anos. Foi um trabalho maravilhoso do qual não se fala, quase.
10. francisco carlos | 30.10.08 às 4:18
parabens pelo excelente exemplo de valorização desta raiz tão rica e importante na vida dos brasileiros, sou consultor e tenho um curso de cadeia produtiva, e o produto que trabalho como exemplo é justamente a mandioca.
11. Helena Menezes | 9.04.09 às 11:30
Suas informações me foram importantes, obrigada.
12. florinda ramos | 12.08.09 às 9:40
fantástico este trabalho, vivo em Angola e a mandioca é base de alimentação da nossa gente, é da farinha que fazemos o funje de bombó, das folhas fazemos a kizaca, uma espécie de esparregado, é uma planta milagrosa, muito obrigado!
13. teresa | 18.08.09 às 12:09
oi Florinda que legal! quero muito saber como se faz o funge! ouvi muito falar dele! da uma olhada no site do instituto maniva. quem sabe a gnt nao faz um festival de mandioca angola brasil?