1/02/2009
A Fruta e o Povo Sagrado do Sertão (ou a 1ª Festa do Umbu)
Por: Chef Adriana Lucena
A manhã está quente e algumas nuvens indicam que pode chover… na praça central, muito movimento na arrumação das barracas feitas de flechas de sisal e palha de licuri, idéia de um artista plástico local. Sorrisos e abraços me recebem calorosamente. Chegam pessoas de todas as comunidades, as mais distantes ficam a horas! Vejo um clássico chapéu de couro de vaqueiro, dois, três……. epa! Isso é ainda mais legal: aqui preserva-se de alguma forma a cultura local! Viva!
Observo cada rosto marcado pelo sol e pela labuta: mulheres fortes que decidiram tomar as rédeas de suas vidas, produzir seu sustento, enfrentar preconceitos e hoje são vitoriosas senhoras do umbu. O reencontro entre amigos distantes me emociona! Que fantástico é o povo sertanejo: nem a seca, nem as dificuldades diárias, nem as estradas de barro, apagam o sorriso de seu rosto! Entendo que o povo sertanejo é um pouco sagrado, resistente e insistente no seu viver, no seu habitat, como os povos sagrados dos áridos e semi-áridos descritos na Bíblia: criam bodes e carneiros; alimentam-se dos frutos locais… e vivem disso com muito orgulho.
Algumas jovens arrumam algumas frutas produzidas pelas comunidades em uma mesa e ai chegam os sacos do rei da festa – o UMBU. Velhos, jovens e meninos correm pra pegar uma “prova” da fruta maravilhosa: troooc! chuuuuppp! nhammm, nhammmm! “Eu gosto das mais maduras, e a senhora?” Pergunta-me uma senhora de seus 60 anos. “Prefiro as verdinhas”, respondo, já engatando outras conversas com ela e com quem chega perto, tentando captar a sabedoria do sertanejo enquanto não começam as atividades.
Em alguns momentos fico sozinha e pego a pensar… Nada representa melhor o semi-árido brasileiro do que o umbu: essa fruta nativa da caatinga é símbolo de resistência das condições climáticas, pois produz independente de chuva ou seca. Durante muito tempo ajudou a mitigar a fome e a sede nos períodos difíceis. Mesmo sem conhecer tabela nutricional, o sertanejo sempre soube do valor da “sustança” do umbu. E agora que muitos agricultores estão beneficiando e comercializando o umbu, animados pelos trabalhos da COOPERCUC, pode-se comemorar com uma festa!
E que festa boa! Teve palestra/oficina sobre “Economia Solidária”, “Sustentabilidade e Meio Ambiente”, palestra sobre ecogastronomia e oficina com produtos locais e os produtos da COOPERCUC.
Fiquei muito honrada em ser convidada para participar dessa confraternização. A palestra sobre “Slow Food e ecogastronomia” estava repleta e a platéia ansiosa por provar as guloseimas que já estavam prontas pelas mãos hábeis de Luceli. Emendei a palestra com a oficina e fui “brincando” de cozinhar e conversando com aquelas senhoras incríveis que me ensinaram muito o saber-fazer local. Batizei um dos pratos inventados na hora de “Bode à Uauá” – feito com licor de umbu, geléia e bode assado. Foram mais de 2 horas de muita energia e prazer. Muitos abraços, receitas, promessas de reencontros e pedidos para voltar… É isso que nós, chefs da Rede Terra Madre, temos que fazer: “adotar” os produtos locais, os mais próximos ou mesmo os regionais, interagir com as comunidades, aprender, ensinar, defender, usar, divulgar.
Eita festa boa! Eita povo feliz! Próximo ano estarei lá! E já tenho agendado cafés, almoços e “cozinhados” nas casas de várias senhoras umbuzeiras.
8 Comentários
1. katia Karam Toralles | 3.02.09 às 9:43
parabéns Adriana pelo texto e pela participação no evento. E a todo povo da COOPERCUC um abraço levando minha grande admiração pelo trabalho que vocês tem feito. eita povo porreta!!!!!!!
ps.: fiquei com água na boca e super estimulada a fazer uma festa do baru por aqui. vamos ver…
2. Murielle Dargaud | 3.02.09 às 10:44
Oh maravilha Adriana, me deu água na boca! Parabéns pra todos!
Tinha ficada impressionadíssima com o depoimento no TM da COOPERCUC. Esse Brasil é fantástico
Abraços grandes
3. Juliana | 3.02.09 às 12:49
Adriana apimentada….não sabia que vc escrevia tão bem..fiquei emocionada.Até me senti lá na festa do umbu.Vc tem razão,é realmente muito bonito ver a força da mulher sertaneja!beijo grande
4. Jussara, Egnaldo e Jussemar | 3.02.09 às 7:02
Querida Adriana,
Queremos em primeiro lugar agradecer a sua grande contribuição na I Festa do Umbu: Árvore Sagrada do Sertão, pois sem os seus esforços a festa não teria o mesmo brilho. Aproveitamos para parabenizar-lá pela oficina “Slow Food e a Ecogastronomia, pois foi realmente um grande sucesso, destaque em todos os jornais, sem falar dos comentários na cidade e na zona rural do município, está todo mundo doido pelas receitas dos pratos que você fez.
Queremos parabenizar também, pelo texto que você escreveu, nos emociona ao ler, devido a sua autenticidade, simplicidade ao narrar os fatos ocorridos durante a Festa.
Com certeza estaremos juntos em 2010, já está confirmada a sua participação na II Festa do Umbu: Árvore Sagrada do Sertão.
Eita festa boa! Eita povo feliz!
Um forte abraço, com o calor do sertão de toda a equipe da COOPERCUC
5. Neide Alves | 26.02.09 às 6:14
Que delicia,
Não pude estar presente na festa do Umbum, mas após terminar de ler o que você escreveu não tenho dúvidas que foi uma das mais gostosas festa que tivemos no nosso rico sertão. E vindo de uma pessoa iluminada,generosa e apaixonada pelo que faz.Com certeza outras pessoas venham preservar a árvore sagrada do sertão.
6. TIAGO PEREIRA DA COSTA | 3.05.09 às 1:23
quantas coisas boa feita com o umbu,
parabéns pela participação no evento. espero que vocês estejam aqui na próxima em 2010.
tiago
7. Edmilson | 13.05.09 às 3:30
Realmente este texto tem a cara do sertão é isso mesmo que somos, esse povo forte alegre hospitaleiro e que tem alegria em receber a que nos visita e no entanto só é mostrado as terríves consequencias da seca e nunca se mostra as riquezas que temos, claro que isto é intencional não é porque se desconheça os nossos valores a caatinga tem assim como o imbu(umbu) inúmeras outras riquesas que passão despercebidas(fauna flora nosso jeito de viver no sertão)como se esse bioma não tivesse nenhuma importancia como os demais do Brasil.
Parabens pelo texto e fico feliz em ver uma real narração dos acontecimentos da quele dia marcante para todos nós que fazemos a coopercuc esse povo forte de canudos uauá e curaçá.
um forte abraço Adriana, e oa seu texto eu só afirmo:
Assim diz o poeta Demis “é assim que se vive nessa terra é assim que se proscede no sertão”.
8. Jorge Macedo | 11.02.11 às 8:54
Parabéns para toda essa galera que por amor faz o maximo e historia do umbú no nosso Norte da Bahia!
COOPERCUC é um exemplo um espelho para o Brasil!
Att; Jorge Macedo – Caldeirão Grande BA