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23/01/2009

Livro compara regulação de transgênicos no Brasil e na União Européia

Fonte: Boletim NEAD n°445 

Gilles Ferment

O biólogo francês Gilles Ferment é consultor de Biossegurança do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) desde 2007. Possui especializações em Fisiologia Animal e Vegetal,  Biologia Molecular e Genética e é Mestre em Ecologia e Gestão Ambiental pela Universidade de Paris 7 – Denis Diderot.

No livro “Biossegurança e o Princípio da Precaução: o caso da França e União Européia”, escrito em linguagem bastante acessível e objetiva, Ferment realiza um estudo comparativo entre os instrumentos para a regulação dos organismos geneticamente modificados no Brasil, na União Européia e na França.

A publicação, 22º volume da Série NEAD Estudos, será lançada no Fórum Social Mundial 2009, no dia 28 de janeiro (confira detalhes na matéria 1 desta edição). Já lançado no III Encontro da Rede de Estudos Rurais e na V Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária, o livro também tem sua versão eletrônica disponível no Portal NEAD.

Confira, a seguir, entrevista com o autor.

Boletim NEAD: A que público, principalmente, se destina a sua publicação?
Gilles Ferment: Essa publicação pode destinar-se a qualquer pessoa que tenha interesse profissional na regulação dos transgênicos no Brasil e na União Européia, com destaque especial sobre o chamado Princípio da Precaução. Esse destaque vem do fato de que grande parte da legislação européia em relação aos transgênicos baseia-se nesse Princípio. Além disso, o mesmo já foi usado legalmente para justificar posições nacionais em conflitos internacionais.
Acredito que pode despertar também um interesse não profissional, já que a linguagem é simples – e não técnica – e traz várias informações sobre as etapas de liberação comercial das Plantas Geneticamente Modificadas no país, que representam grande parte da nossa alimentação.

NEAD: Qual o principal argumento utilizado pelo setor de biotecnologia para questionar ou relativizar o Princípio da Precaução?
Ferment: As interpretações do Princípio da Precaução, e sobretudo, os seus modos de aplicação, são diversos. Quando há desqualificação clara desse Princípio, notadamente em discursos não oficiais das empresas, é sempre o mesmo argumento que volta: danos econômicos (de curto prazo) para a sociedade. Mas nunca se perguntam a respeito dos danos econômicos resultantes da ausência de aplicação do Princípio da Precaução, como as mudanças climáticas, a pesca além das possibilidades de renovação dos estoques ou o uso intensivo de antibióticos e agrotóxicos nas cadeias agro-alimentares.

NEAD: Qual a posição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em relação ao Princípio da Precaução?
Ferment: Como podemos observar, existem várias posturas entre os 54 membros da CTNBio em suas reuniões públicas mensais, com relação ao Princípio da Precaução. Poucos deles consideram o Princípio da Precaução elemento-chave no processo de avaliação do risco dos transgênicos. Quando existem dúvidas científicas sobre os riscos para a saúde humana e animal ou para o meio ambiente – e essas dúvidas poderiam ser esclarecidas consideravelmente com o fornecimento de mais informações/pesquisas pelas empresas requerentes – alguns membros da Comissão apoiam-se sobre o Princípio da Precaução para exigir esses complementos.

Entretanto, a maioria dos membros enxerga no Princípio da Precaução um obstáculo à Ciência, porque ele pode ser usado para impedir a liberação comercial de transgênicos se estes apresentam riscos potenciais nem sempre comprovados. Assim, nas próprias palavras do presidente dessa Comissão, o Princípio da Precaução seria “anti-científico”.

NEAD: Que elementos você aponta como principais motivadores da resistência dos países da União Européia, em particular da França, aos OGM?
Ferment: Na União Européia, principalmente na França, a resistência aos OGM vem dos cidadãos. Essa reação nasce da convergência da importância que o povo dá à gastronomia saudável e de qualidade, e dos eventos que ocorreram recentemente com a industrialização intensiva da alimentação, como a doença da “vaca loca” e o frango à dioxina, com repercussões gravíssimas sobre a saúde publica. A confiança nas empresas que “querem nosso bem” acabou e chegou a hora de entender para marcar posição nos debates científicos que têm repercussões diretas sobre a saúde e o meio ambiente.

Alem disso, as associações e organizações da sociedade civil desempenham um papel primordial de divulgação da informação cientifica, obrigam as empresas e órgãos de análise de risco a um máximo de transparência e asseguram uma vigilância nacional em relação às ações das empresas.

De outro lado, o livro Biossegurança e o Princípio da Precaução mostra que o sistema de liberação comercial de transgênicos na União Européia é bastante complexo, com instâncias de conselhos nacionais e européias. A diferença mais importante entre o Brasil e a União Européia, e que tem indiscutivelmente repercussões sobre os processos de liberação comercial dos transgênicos, é que a decisão será sempre tomada por políticos, após conselhos científicos, e não diretamente por  cientistas. A posição dos cidadãos representa, então, uma orientação.

Boletim NEAD: No Brasil, onde é forte a influência política e econômica do agronegócio, os órgãos de vigilância sanitária têm capacidade de monitorar as culturas de OGM e identificar eventuais contaminações ou riscos ao meio ambiente e à saúde humana?
Ferment: Já com a soja, onde os riscos de contaminação por fluxo gênico são baixos, os órgãos de vigilância não conseguiram assegurar uma separação dos grãos convencionais e transgênicos ao longo da cadeia alimentar. Além das dificuldades próprias ao Brasil, como o imenso território e o caráter ilegal com que a soja Roundup Ready entrou no Rio Grande do Sul, e apesar de obrigações jurídicas claras em relação à rastreabilidade e rotulagem  dos transgênicos, observamos que a necessidade política de uma vigilância foi subestimada. Acredito que a influência política e econômica do agronegócio incentivou essa subestimação, com o lobby freqüentemente empregado pelas empresas.

O próximo desafio dos órgãos de vigilância é não repetir esses erros com os milhos geneticamente modificados, recentemente liberados no Brasil. Mas trata-se de um desafio maior do que com a soja, porque o modo de polinização do milho possui um alto risco de fluxo gênico.

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